De acordo com o estudo a hiperoxigenação hiperbárica (oxigenoterapia hiperbárica ou OHB) só começou a ser utilizada em ambiente hospitalar a partir da década de 1930. Desde então, tem sido usada em infecções graves, notadamente anaeróbicas ou mistas, tais como celulites, fasciítes e miosites necrotizantes.
O potencial terapêutico da OHB ocorre à medida em que altas doses de oxigênio, proporcionadas pela elevação da pressão ambiente, possam compensar determinadas condições de hipoxia e que esta compensação, através de exposições breves e intermitentes, seja eficaz para alterar o curso do desenvolvimento da patologia. No Brasil, a utilização dessa terapia só foi regulamenta a partir de 1995 pelos órgãos competentes.
Por outro lado, a base fisiológica, na terapêutica de infecções e da sepse, evoluiu substancialmente na última década, principalmente através dos avanços da Biologia Celular, Genética e Imunologia. Apesar do progresso do conhecimento nestes diversos campos, a sepse continua apresentando incidência crescente e suas consequências constituem, ainda, um desafio quanto à terapêutica.
A compensação da hipoxia proporcionada pela OHB tem grande interesse de pesquisa, uma vez que se associa, na hipoxia decorrente da sepse, à liberação dos mediadores envolvidos na resposta inflamatória sistêmica. As enzimas antioxidantes são um relevante fator de proteção do organismo, no caso da resposta inflamatória generalizar-se.
A OHB é um estímulo para a ativação e síntese destas enzimas, este aspecto também se reveste de importância peculiar. Um número crescente de pacientes sépticos receberá a OHB nos próximos anos, considerando-se as indicações já estabelecidas e tendo em conta a expansão desta nova modalidade de tratamento.
Definição de Hipoxia
A condição de nível normal de oxigênio é definida, em termos ideais, como a tensão de oxigênio (PO2) no ar inspirado suficiente e adequada para manter o metabolismo aeróbio e a homeostase nos vários tecidos. O transporte de oxigênio entre o ar inspirado e a sua utilização pelos tecidos passa por várias etapas, ao longo das quais a PO2 vai se reduzindo até que as moléculas deste gás possam ser efetivamente utilizadas como oxidante final, na cadeia respiratória das cristas mitocondriais. Qualquer comprometimento, em alguma destas fases, que possa diminuir o aporte de oxigênio a determinado tecido, em níveis críticos, resultará em hipoxia e provocará metabolismo anaeróbio, acidose láctica, lesão celular, hipercalemia e falência de tecidos e órgãos.
As infecções graves e a sepse provocam uma reação sistêmica complexa, caracterizada por comprometimento cardiopulmonar e metabólico, que apresentam dois estágios clínicopatológicos distintos:
Fase hiperdinâmica (inicial) – observa-se um débito cardíaco normal ou elevado, hipoxemia, diminuição da pressão venosa central, resistência vascular periférica diminuída, hiperventilação, hiperlactatemia e extremidades normotérmicas.
Fase hipodinâmica (tardia) – ocorre com diminuição do débito cardíaco, alta resistência periférica, hipotensão, oligúria e extremidades hipotérmicas e/ou cianóticas. Como, paralelamente, o catabolismo está aumentado, há considerável hidrólise de ATP e a extração tissular de oxigênio está comprometida na sepse, ocorrendo glicólise anaeróbia; resultando, na conversão final do piruvato, em ácido láctico. Ao contrário, na glicólise aeróbia, o piruvato é convertido a acetil-coenzima A pelo complexo da esidrogenase pirúvica.
Na sepse, associam-se disfunções que diminuem a oferta, assim como fatores que comprometem a utilização de oxigênio pelos tecidos. Uma importante disfunção, iniciada ainda na fase hiperdinâmica, é a redução na capacidade dos tecidos em extrair o oxigênio suficiente para seu metabolismo.
Quanto ao fator microvascular, sabe-se que os mediadores inflamatórios, liberados provocam uma série de efeitos. Afetam o controle vasomotor, provocam edema endotelial e intersticial e causam microembolismos leucocitários, provocando uma hipoxia por disfunção de perfusão (disperfusão). Experimentos, em que se produz embolização por microesferas, mimetizam esta situação.
A deficiente extração de oxigênio, que pode ocorrer na sepse, explica a PO2 normal ou elevada, observada em vários tecidos. Avaliando a PO2 nos músculos esqueléticos de pacientes sépticos, através de microsensores, demonstraram que a PO2, inclusive, aumenta, de acordo com a gravidade do processo. Este fato reforça o conceito de que a capacidade de utilização ou extração de oxigênio pelo tecido muscular estaria progressivamente comprometida, no curso da patologia. Na medida em que o processo séptico evolui, outras disfunções podem progressivamente diminuir a oferta de oxigênio aos tecidos, tais como a síndrome de angústia respiratória do adulto (SARA), alterações da pressão arterial, depressão miocárdica e tromboembolismos, entre outros.
Diversos distúrbios no metabolismo de oxigênio, na sepse, podem, potencialmente, provocar hipoxia, através de mecanismos distintos. A correção de cada fator requer medidas específicas.
O oxigênio
Apesar do processo séptico ser quase que unanimemente reconhecido como uma espécie de “intoxicação por mediadores” a formação de radicais livres do oxigênio constitui a etapa final, na ação dos vários sistemas que integram a resposta inflamatória.
Nestas condições, as citocinas precipitam processos que produzem superóxido, peróxido de hidrogênio, radical hidroxila e seus derivados. Este uso não metabólico do oxigênio pode resultar em lesões celulares, diretas ou contribuir para a amplificação e perpetuação do processo inflamatório.
As lesões oxidativas provocam a peroxidação de lipídeos, depleção de tióis essenciais e modificação de proteínas. O choque séptico está associado a disfunções de órgãos, que ocorrem dias após o evento inicial. Da variedade de distúrbios relacionados ao quadro, destaca-se a SARA e a falência de múltiplos órgãos. Há cumulativas evidências de que os radicais ativados desempenhem um papel decisivo nestas condições, tanto pela situação de distúrbios microcirculatórios, que provocam o fenômeno de isquemia e reperfusão, quanto por conseqüências da própria resposta inflamatória. Dentre estas, destaca-se, na SARA, o papel dos neutrófilos, que, uma vez ativados, provocam lesões alveolares e endoteliais.
Expondo-se o organismo a uma pressão ambiente superior à normal, a pressão parcial dos gases, nos alvéolos pulmonares, aumentará proporcionalmente. Considerando a pressões parciais do dióxido de carbono (PACO2) e vapor de água (PH2 O) existentes nos alvéolos, a pressão parcial de oxigênio poderá ser calculada facilmente.
A partir das pressões parciais de oxigênio, atingidas em hiperoxia hiperbárica, da mesma forma pode-se calcular o aumento no conteúdo de oxigênio dissolvido no sangue arterial, por exemplo, em pacientes com hemoglobina de 10 g/%, expostos a hiperoxia hiperbárica, entre 2 e 3 ATA (atm abs), apresentam um aumento de 30 a 47 % no conteúdo arterial de oxigênio.
OHB em infecções
Em condição hiperbárica, destaca-se a ação do oxigênio como droga. Alguns mecanismos são de particular interesse medicinal, como a ação microbicida ou microbiostática direta ou indireta, a ação bioquímica em reações que o oxigênio possa deslocar substâncias tóxicas, efeitos fisiológicos, específicos e o efeito sinérgico, com drogas. O efeito mecânico da pressão per se apresenta valor terapêutico direto apenas em casos de embolia gasosa ou patologias disbáricas, como a doença descompressiva. O principal potencial de tratamento reside no aumento notável da tensão de oxigênio em todos os líquidos corporais, uma vez que valores de até 1800 mmHg podem ser atingidos, quando se respira oxigênio a 100% em uma pressão de três vezes a atmosfera normal (3 ATA). Nesta condição, cerca de 6,4 ml de oxigênio estarão dissolvidos em cada 100 ml sanguíneos, além do conteúdo ligado à hemoglobina.
A OHB é utilizada no tratamento de infecções necrotizantes de tecidos moles (INTM), incluindo-se celulites, fasciítes ou miosites necrotizantes. O uso combinado de cirurgia, antibióticos e OHB é eficaz no tratamento da gangrena gasosa, doença de Fournier e infecções secundárias por estreptococos anaeróbios. Certas localizações destas INTM tornam, por vezes, muito dificultosa a própria ressecção cirúrgica, radical, dos tecidos moles afetados, como, por exemplo, em celulites cervicais extensas ou toráxicas.
O debridamento cirúrgico de tecidos infectados, mesmo em casos crônicos, quando o processo é extenso ou refratário, apresenta melhor resolução quando conjugado à OHB. Pode-se exemplificar tal fato, com osteomielites crônicas, refratárias ou agudas, de localização crítica e difícil solução cirúrgica, como as que ocorrem em ossos cranianos e com complicações de infecções micóticas, como a mucormicose rinocerebral.
Pela multiplicidade de mecanismos para a sepse e OHB, supõe-se que a interação destas condições apresente, potencialmente, alguns efeitos favoráveis, assim como consequências deletérias.
De acordo com o médico especialista em Terapia Intensiva e Especialista em Clínica Médica pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica, Dr. Paulo Antoniazzi, um dos principais efeitos benéficos da OHB na sepse é mediado por um aumento dos níveis e enzima superóxido desmutase ( catalisa superóxido em perióxido de hidrogênio) e glutationa peroxidase ( transforma peróxido em água), substâncias essas que regeneram o oxigênio em seu estado normal, diminuindo assim os níveis de produção de espécies reativas de oxigênio ( EROs )que encontram-se elavados na sepse.
Segundo ele, os efeitos benéficos da OHB deve-se a: preservação dos compostos de alta energia, limita a peroxidação lipídica induzida pela hipóxia, diminui a adesão e sequestro de neutrófilos e modifica a expressão de mediadores inflamatórios.
O médico afirma que a utilização de OHB em pacientes críticos está sendo cada vez mais empregada e reconhecida como um tratamento coadjuvante valioso. Leia mais aqui.